Não sendo possível, apoiou a amiga em seu ombro, pegou sua
bolsa de praia que estava jogada ao chão e saiu dali as carregando.
- Sem cair, Kitts, sem cair.
- Chazz, meu pai vai me matar...
Chazz suspirou ao lembrar-se desse fato. O pai de Kitty a
tratava como uma princesa ou qualquer outra coisa do tipo, temeu um encontro
com ele onde a entregaria exalando cheiro
de álcool.
Ao que tudo indicava Chazz não conseguia fazer escolhas
certas. Em alguns minutos, após carregar Kitty pelas ruas, estava em seu quarto,
colocando um cobertor sobre seus ombros.
- Boa noite, Kitts, melhoras. – Pronunciou as palavras de
forma mais rápida do que de costume, apressado para sair logo dali e terminar o dia adornado de acontecimentos bizarros.
- Chazz... – Kitty chamou por seu nome em tom baixo, que
pareceu choroso por uns instantes. Efeitos da alteração que o álcool pode
causar – Onde você vai dormir?
- Lá embaixo... No sofá.
- Isso é ruim... Não?
- Não, está tudo bem. Já dormi lá outras vezes. Agora
deite-se aí e durma, ou vai acordar com uma dor de cabeça bem infernal
amanhã...
- Senta aí.
- Não, Kitts. Você está com sono, vá dormir.
- Chazz, sente-se logo aí.
Chazz segurou um suspiro por vários segundos, depois o
soltou, sinalizando que esta não era uma boa opção. Já era estranho estar ali,
qual a necessidade de piorar?
- Ok, estou sentado. O que foi, Kitts?
- Sabe o que a Ingrid me contou uma vez?
- Não... Não sei e também não sei se quero saber, viu?
Só estava dialogando tão livremente porque sabia que Kitty
não se lembraria de nada no dia seguinte.
- Que você tem olhos azuis. – Afirmou e arrastou-se na cama,
livrando-se da coberta. Avançou os braços ao rosto de Chazz, retirando os
óculos de lentes extremamente grossas do mesmo. – Wow, e olheiras bem fundas
também... – As palavras já estavam saindo arrastadas da boca de Kitty, mas ao
contrário da maioria das pessoas, não sentia sono após embebedar-se.
- É, Kitts, eu tenho. – Outro suspiro – Agora durma.
- Não.
- Kitts...
- É brincadeira, Chazz... Vou pra casa, não quero incomodar
você.
- Não, você não pode ir sozinha... Aliás, seu pai não
ia te triturar viva se chegasse nesse estado?
- Que estado!? Estou bem, só talvez um pouco triste. É um
pouco desanimador ser odiada por todo mundo. Você percebeu, Chazz? Eu os perdi.
- Eles só estão bravos, acho que logo isso vai passar...
Kitty sorriu sem humor e o envolveu lentamente em um abraço
que demorou a se formar por conta dos braços desajeitados de Chazz. Permanecera
em silêncio até ele perceber que deveria dizer algo para melhoras os ânimos.
- Você pode contar comigo enquanto os outros dois estão
bravos, ok?
Kitty agora riu e apertou um pouco mais o
abraço, aconchegando o rosto em seu ombro.
- Ok. Até amanhã, Kitts. – Para Chazz, até trabalhar com
roupa de cowboy era um fato mais provável do que estar abraçado com uma mulher
em seu quarto.
- Ai! – Kitty reclamou da forma como foi afastada, Chazz a
empurrou pela cintura em um impulso imediato assim que sentiu os pelos de seu braço
se arrepiando.
- Desculpa...
- O que foi, Chazz?
- Kitts, entenda que isso é um pouco complicado pra mim,
eu...
- Ah! – Arfou – Chazz, você acha que nunca percebi as
olhadas que você dá pra minha bunda? Sei o que está acontecendo aqui, ok?
- Com todo respeito, Kitts, mas você não sabe não.
- Sei sim. E também sei que você roubou uma calcinha do meu
quarto.
- O que!? Já falei
que isso não é verdade, Kitts! A Ingrid me atormenta com isso desde os quinze
anos, mas eu não faria uma coisas dessas! - Por soar como mentira, mas era realmente implicância de Ingrid.
Kitty parou de falar e levou uma das mãos a boca, começando
a encenar uma lamentação, deixando Chazz mais confuso do que já estava.
- O que foi agora?
- Então é isso... Você poderia ter me contado, eu te
apoiaria.
- Contado oque?
- Que você é gay, oras. – Implicar com Chazz já era uma das
atividades favoritas de Kitty quando sóbria, quando bêbada era a favorita, e
dessa vez não poderia ser diferente.
Chazz sentiu vontade de jogá-la pela janela por uns
instantes, todos os pelos de seu corpo estavam arrepiados por perceber que aquilo
não passava de uma provocação. – Vai dormir, Kitty! – Limitou-se.
- Okay! Parei mesmo agora. Era só brincadeira, Chester, não
precisa ficar bravo. - Riu - Estou bêbada, admito, fico insuportável quando estou
assim. Mas aproveitando pra dizer que você é um idiota por se considerar tão
incapaz de tudo. Você não é inferior a
ninguém, consegue entender?
- Obrigado... Eu acho.
- Não viva na sombra dos outros, Chazz.
- Eu não vivo, acontece que... Ok, eu não sei o que
acontece, nunca sei como devo agir.
- Teste ser mais impulsivo. Pense um pouco em você mesmo,
seu bobo!
Resposta errada. Desde os primórdios, Chazz sentia-se
atraído por Kitty, não havia um motivo concreto, só o fato de esta se passar
por uma “grande mulher” ou algo assim por sua postura imponente de modelo. Tinha plena certeza que não a amava, mas foi
possível resistir.
Nunca era.
Os narizes atrapalharam-se diversas vezes, depois foi a vez
dos lábios que demoraram a se encaixar por muitos motivos. O maior deles era o
nervosismo de Chazz, o segundo maior deles era a imagem de Simon arrancando uma
de suas pernas que surgiu em sua mente assim que conseguiu fechar os olhos. Os
de Kitty ainda estavam abertos, geralmente as provocações não funcionavam em
Chazz.
Talvez este fosse o dia mais estranho de sua vida. Nada
estava fazendo sentido, decidiu apenas seguir o conselho de Kitty, dizem que
conselhos de amigos alcoolizados são os mais sinceros.
“Não é nada demais, é
só sexo.” – Era a frase que mentalizava repetidamente tentando se convencer
de que isso não estragaria sua amizade com Kitty, Simon e até mesmo com Ingrid.
Mas o fato daquela ser sua primeira vez a distorcia de forma irritante.
Por sorte isso não estava interferindo em seu
“desempenho”.
Ingrid, Simon, Lisa, Nigel e Helena rumaram a primeira “casa
vazia” para terminar a noite jogando conversa fora, algo compatível ao tanto
que se divertiram naquele dia: quase nada. Aron estava sumido a dias e Carmem
dormia como uma pedra a base de calmantes, Ingrid estava praticamente sozinha
em casa.
- Já haviam me avisado que você era durona, mas estou
começando a achar que isso é puro charme seu. – Nigel ainda testava suas
investidas em Ingrid.
- Vai achando então, ôh pigmeu! Não é porque sua amiguinha se deu bem que
você vai se dar também, cai fora.- Nada funcionaria. Ingrid estava sem foco,
sua briga com Kitty ainda rondava seu cérebro e não estava se sentindo bem com
a presença dos amigos de Lisa.
- Falando neles, onde será que se meteram? – Lisa estava
sentada na bancada, já havia percebido o sumiço do casal, mas preferiu só se
manifestar agora. Nada contra Kitty, mas queria ver seu primo se dando bem.
- Ah não! – Não demorou até Ingrid perceber que o único
lugar que poderiam estar era em seu quarto. – No meu quarto não, Simon! Seu
desgraçado!
Invadir o quarto com um chute na porta passou
por sua cabeça, mas se deu por vencida quando Lisa comentou algo sobre
encontrar os dois despidos.
Não
estavam despidos, mas poderiam estar se Simon não estivesse “enrolando” Helena
com beijos a longos minutos. Da ultima vez que esteve naquele quarto, não
hesitou em estar com Ingrid,
que seria algo bem pior que estar com uma desconhecida de Kitty, mas
encontrá-la no bar mudou o rumo das coisas, o objetivo era enciumá-la, não
esnobá-la.
Helena desistiu e se afastou de Simon com um suspiro. Ele a
encarou sorrindo sem nenhum sinal de humor, estava até mesmo constrangido com
tudo aquilo.
- A loira é sua ex-namorada, não é?
- É. – Entregou-se derrotado.
- Ok... Vou indo então, Simon. Não vai fazer sentido se você não quiser.
Em um impulso suas mãos voltaram a cintura de Helena, era
bonita demais para passar por aquela porta se referindo a ele como trouxa.
- Foi mal, Helena... Eu só não esperava por isso.
Ela se soltou dos braços de Simon, o que o fez pensar que
havia desistido. Debruçou-se na janela do quarto de Ingrid procurando uma
explicação que não o tornaria mais idiota ainda. Havia sido traído – em sua
concepção – e isso feria gravemente seu ego, mas era difícil disfarçar o que sentia pro enquanto.
- Você deve estar me achando um completo idiota, mas é isso
aí... Eu tenho que ir.
Virou-se tomando fôlego para continuar seu discurso, mas o
perdeu após colocar os olhos em Helena novamente, agora sem a camiseta
estampada que vestia segundos atrás.
Colocou a mão sobre o rosto em uma brincadeira consigo mesmo e rogou um
palavrão qualquer pela derrota declarada.
A brisa leve amenizava o denso calor que acompanhava os
raios de sol se espalhando pelo quarto de Chazz na manhã seguinte. A temperatura
amena parecia perfeita para dar continuidade a sequencia de acontecimentos
estranhos.
Um feixe de luz juntamente ao som que vinha da TV forçou
Kitty a abrir os olhos. Ergueu metade do corpo com dificuldade pela dor de
cabeça que explicava em partes o estava dormindo ao lado de Chazz em uma cama.
- Seu pervertido, poderia ter colocado um pijama. – Kitty
ainda não havia percebido a ausência de suas próprias roupas. - Era normal dormir ali após uma noite onde os quatro saíam, bebiam e não podiam voltar as próprias casas por motivos maiores.
Sentou-se a beira do colchão, esticou-se e bocejou. Quase
todos os seus músculos estavam tensos. Uma leve preocupação sobre o que havia
feito na noite passada a rondou naquele momento, mas nada relevante a ponto de
estressá-la. A companhia de Chazz sempre a trazia confiança, afinal.
Quando finalmente virou-se de frente para o espelho e viu o
próprio corpo desnudo de qualquer espécie de tecido, encolheu-se e ficou
boquiaberta por um tempo, parecia estar unindo forças para liberar o grito que
insistia em sair com o susto, mas estava preso pela indignação!
Quando
finalmente conseguiu colocá-lo para fora, Chazz acordou de seu vigésimo quinto
sono em um pulo. Ainda respirava ofegante e repetia coisas como “O que? Onde? O
que houve?” quando viu Kitty encolhida no espelho
Ambos ficaram de pé rapidamente. Kitty avançou um único
passo firme no chão em direção a Chazz com a expressão mais fechada que pode.
- Kitts... Calma!
- Ficarei grata por uma explicação.
- Você... Ok, até onde você se lembra?
- Me lembro do que, Chazz!? – Possuía raiva em seu tom, mas
não era dedicada a Chazz, não era ignorante a ponto de depositar toda a culpa
em uma das pessoas que mais confiava. Realmente não se lembrava de quase nada,
e o que lembrava estava distorcido e confuso. – Ah, merda... – Pronunciou-se
novamente após uma longa pausa.
Sua expressão permaneceu congelada enquanto todas aquelas
cenas vinha à tona em seus pensamentos, um tanto distorcidas, mas perfeitamente
compreensíveis. Lembrava-se de como
Chazz havia retirado seu vestido de Poá, mas as horas anteriores estavam em
branco. Pegou-se pensando em todas as hipóteses possíveis que levariam Chazz a
acreditar que poderia fazer o que fez.